Padê jurídico: Exú e o direito achado nas encruzilhadas
Para Exú, não existem direitos sem deveres. Eis um dos primados da sua ética responsiva
Hoje traremos algumas das contribuições de Exú para o direito, mas devemos
alertar que as ideias serão aceitas em saltos quânticos, pois não há espaço
suficiente para esmiuçar os multicaminhos percorridos por Exú. Exú é
rápido. Ninguém consegue acompanhar Exú.
Exú é o caminho, ou melhor dizendo, os
caminhos de uma encruzilhada interdimensional, que vai além das óbvias para
considerar o que está abaixo dos nossos pés, acima das nossas cabeças e dentro
de nós. Exú nos ensina que pisamos em solo sagrado, regado com sangue,
suor e lágrimas ancestrais.
Sendo o Orixá que possibilita a
comunicação entre o Orum (céu) e o Ayê (terra), Exú também nos lembra que acima
de nós existem os orixás, sem os quais a luta por direitos não é possível, como
bem coloca Luciana Ramos e sua ciência política dos orixás.
A encruza nos obriga, ainda, a olhar
para dentro. Talvez por isso seja lugar tão incômodo. Sabemos que é
mais fácil se esconder sob o manto de uma suposta neutralidade que revelar de
onde se fala e com que propósito. Mas Exú é a verdade. Exu é o fogo
que ilumina como engrenagens do sistema opressor, revelando os pactos narcísicos
formulados para a manutenção do status quo .
Por isso mesmo, Exú é possibilidade de
ruptura, é princípio dinâmico que nos permite construir como bases de uma
proposta epistemológica para o direito. Pensar o direito a partir de Exú é
compreendê-lo como um complexo sistema de comunicação. E isso nos leva a
crer que os alemães da teoria dos sistemas sociais conhecidos Exú.
A circularidade, que surge como uma
novidade pós-moderna, é a base da cosmovisão yorubá há milênios. Exú, na
sua literalidade, significa esfera. É o orixá que nasceu antes da própria
mãe. E essa lógica do tempo como dimensão complexa que o direito deve
assimilar para dar conta da complexidade de uma sociedade mundial
multicêntrica.
A academia jurídica precisa reconhecer
que não existe uma linha do tempo histórica, que vai do primitivo ao
moderno, em uma sucessão de causas e efeitos rumo à “civilização”. Tudo é
contingente, já diria o alemão Luhmann. Sendo assim, é preciso reconhecer
que o direito hoje posto é apenas um dos sentidos possíveis e não o caminho
necessário.
A encruza de Exú nos leva à
interseccionalidade. Na realidade, a interseccionalidade é uma
encruzilhada de avenidas identitárias, como bem conhecida Carla
Akotirene. Muito mais que um conceito simples, uma interseccionalidade é
um imperativo para construção de políticas públicas, como bem lembrado Djamila
no Roda Viva desta semana. A encruza é um princípio constitucional
esculpido sob o nome de pluralismo político.
Exú é o verbo, é a palavra que se
materializa, é o signo, o significado e o significante. Conta-se que Exú
devorou todo o mundo e devolveu todas as
coisas com sentidos. Assim, o patrono da cultura nos mostra que
interpretar é a arte de construir narrativas. Precisamos, pois,
desenvolver a Exuêutica, como nos speech o professor Samuel Vida.
Segundo a tradição, a Hermenêutica é a
ciência da interpretação. A palavra vem de Hermes, o deus mensageiro da
Grécia. O que ninguém fala nas faculdades de direito é que Hermes copiou
Exú. E que, nesse processo de apropriação de saberes, os europeus não
apenas retiraram o colorido do orixá mensageiro, mas tentaram impedi-lo de
mostrar que a verdade é mutante e depende de onde observamos.
Por isso, defende a necessidade de
pluralidade na composição dos tribunais e dos demais órgãos que compõem o
sistema de justiça. Enquanto o sistema de justiça para esmagadoramente
branco, hétero e cristão, um hermenêutica recorrente continuará a encarcerar
corpos negros e a legitimar a necropolítica.
Senhor da troca, da reciprocidade, do
dar e receber, Exú nos lembra do dever de cidadania ativa. Exú nos chama
atenção para o fato de que não podemos exigir sem dar em troca. Para Exú,
não existem direitos sem deveres. Eis um dos primados da sua ética
responsiva, orientada por um dar proporcionalmente, receber e retribuir, como
ensina ou babalorixá Rodney William. Por isso, responsabilidade nas urnas
no próximo domingo é uma exigência de Exú.
Por tudo que falamos, percebe-se que
Exú é a força pela qual pessoas subalternizadas conquistam espaço de movimento
autônomo, como aprendemos na pedagogia da encruzilhada. Exú é a
possibilidade de caminhar sem medo, permitindo-se experienciar um mundo no qual
o impossível não existe. Exú é a potência que nos liberta dos grilhões que
encarceram os nossos corpos, mentes e almas. Exú nos permite ser
multipotenciais, pluriversais, síncope rítmica, verso e reverso, causa e
efeito, ser e não ser.
Exú é uma ameaça ao
opressor. Quem tem Exú tem tudo. Machado.
Chiara Ramos
Márvila Araújo
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